As Fronteiras Jurídicas entre União Estável e Namoro Qualificado
- composicaomultidis
- 12 de jun.
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Atualizado: 20 de jun.
1. Resumo
O presente artigo tem por objetivo diferenciar a união estável do chamado namoro qualificado, conceitos muitas vezes confundidos no âmbito das relações afetivas contemporâneas.
A distinção entre essas duas figuras é fundamental, pois a confusão entre as categorias gera grave insegurança jurídica e inúmeros e intermináveis conflitos, tendo em vista que a união estável é reconhecida como entidade familiar pelo ordenamento jurídico brasileiro, com efeitos legais relevantes, como direito à meação, herança, pensão por morte e outros benefícios patrimoniais.
Palavras-chave: União Estável. Escritura Pública. Namoro Qualificado. Contrato de Namoro. Intenção de Constituir Família. Animus Familiae. Entidade Familiar.
2. Introdução
Nos últimos anos, tornou-se comum a discussão sobre as fronteiras entre namoro e união estável, especialmente, com as transformações nas estruturas familiares e na forma com que as pessoas se relacionam e convivem.
Com a evolução das relações sociais e afetivas, o Direito das Famílias vem enfrentando novos desafios para distinguir os vínculos afetivos com relevância jurídica daqueles que permanecem no âmbito da intimidade pessoal e do relacionamento amoroso por certo tempo ou continuo.
Nesse contexto, a diferenciação entre união estável e namoro qualificado torna-se essencial, principalmente diante das consequências patrimoniais e sucessórias envolvidas.
3. União Estável
A união estável é reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal de 1988, no art. 226, §3º:
Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
O Código Civil, por sua vez, disciplina o instituto nos arts. 1.723 a 1.727, dispondo no art. 1.723, caput:
É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Portanto, para a configuração da união estável, são exigidos como requisitos a convivência pública, contínua e duradoura, estabilidade e a intenção de constituir família (animus familiae)[1].
Importa ressaltar que, a jurisprudência e a doutrina são pacíficas ao entender que para o reconhecimento da união estável não é necessário tempo mínimo de convivência, nem coabitação, mas o casal deve ter vida em comum com intenção de constituir família.
Este é, inclusive, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando reconhece que não configura a união estável a "mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
É importante dizer, ainda, que a formalização através lavratura da escritura pública de união estável, embora seja recomendável para dar segurança jurídica ao casal, não é requisito ao reconhecimento do vínculo, que poderá ser declarado judicialmente.
A diferenciação entre os institutos resta fundamental, pois a união estável gera efeitos jurídicos, inclusive, patrimoniais, como, direito à partilha de bens/meação, direito à pensão por morte, direito à herança, o que não ocorre no namoro qualificado.
4. Namoro Qualificado
A distinção primordial entre namoro qualificado e união estável, conforme já reconhecido por precedente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, está no affectio maritalis, ou seja, na intenção atual de constituir família, presente na união estável e ausente no namoro qualificado.
O namoro qualificado é construção jurisprudencial e doutrinária, definido como um relacionamento afetivo sólido, duradouro e sério, com demonstrações públicas de afeto, convivência frequente e até planejamento futuro de vida em comum, porém sem a intenção atual e real de constituir família.
Assim, mesmo que o casal tenha planos futuros, viagens juntos, conheça as famílias e, eventualmente, more sob o mesmo teto, se não há a intenção de constituir uma família no presente, não resta configurada a união estável.
Dessa forma, o namoro qualificado não é entidade familiar e, portanto, diferentemente da união estável, não gera efeitos jurídicos patrimoniais, como direito à herança, partilha de bens ou pensão por morte, tendo em vista que “é apenas um projeto que ainda não se desenvolveu e talvez sequer evolua como entidade familiar"[3].
Assim, com a finalidade de dar segurança jurídica, acautelar litígios e evitar a caracterização indevida da união estável e os efeitos jurídicos que dela decorrem, é recomendável formalizar o namoro qualificado através do contrato de namoro, instrumento extrajudicial e preventivo que visa dar segurança às relações, pois declara, expressamente, o vínculo mantido e suas regras, prevenindo, inclusive, eventuais discussões sobre o patrimônio amealhado por cada um dos namorados.
Tal instrumento, embora não tenha previsão legal expressa, é aceito nos Tribunais como prova da ausência de intenção de constituir família. Contudo, não tem força absoluta, tendo em vista que, se houver provas de que a relação preenche os requisitos da união estável, o contrato poderá ser relativizado judicialmente. Daí a importância de conter cláusulas muito bem elaboradas e claras sobre a forma de convivência, seus reflexos.
5. Conclusão
A linha que separa o namoro qualificado da união estável é tênue e o elemento central continua sendo o intuito atual de constituir família, o que exige atenção tanto dos casais quanto dos operadores do Direito, pois a caracterização equivocada de uma relação pode gerar repercussões patrimoniais inesperadas, motivo pelo qual é recomendável sempre a formalização da vontade das partes, seja por meio da escritura pública de união estável ou do contrato de namoro.
A doutrina e a jurisprudência têm evoluído para proteger o direito à autonomia da vontade sem desamparar os direitos decorrentes das verdadeiras entidades familiares, assim, o grande desafio do Direito das Famílias contemporâneo está em estabelecer o equilíbrio entre liberdade individual e segurança jurídica.
Dra. Paula Bloise


